Wilson da Costa Bueno
"Não atendemos estudantes ou pesquisadores". "Nossa empresa é de capital aberto e não podemos conceder entrevistas". "Não dispomos de um setor especifico para atender demandas da Academia". Estas respostas (na verdade justificativas esfarrapadas) são comuns na relação entre os colegas da Academia e os do mercado, sejam eles executivos de Comunicação ou assessores de imprensa e de comunicação.
Mas por que isso acontece com tanta freqüência? Será que os estudantes e pesquisadores representam uma ameaça para a maioria das organizações, em particular as empresas privadas? Se sim, por que motivos? Se não, então qual a razão de tantas evasivas para impedir a interação entre o mundo da universidade e o mundo empresarial?
É possível imaginar algumas possibilidades para explicar esta má vontade das organizações (e, o que é pior, de seus profissionais de comunicação) com estudantes e pesquisadores que buscam informações.
Em primeiro lugar, pode ser que, na verdade, as organizações não estão mesmo dispostas a abrir o jogo, a favorecer esta interação porque temem que a perspectiva crítica de estudantes e pesquisadores as coloque em situações de embaraço. Ou seja: o compromisso com a transparência presente em seus discursos não se confirma na prática. Confundem transparência com disposição para falar (quando lhes aprouver) e não com interesse em ouvir. A gente conhece este perfil de organizações: têm uma boca imensa para falar e um ouvido diminuto para ouvir. Gostam de emitir releases, comunicados, mas detestam dialogar.
Em segundo lugar, pode ser que os seus comunicadores (entre os quais se incluem os seus principais executivos de comunicação) não tenham mesmo muita coisa a dizer. Afinal de contas, em casos numerosos, executivos de comunicação não têm autonomia alguma para dizer qualquer coisa, têm medo da própria sombra, e ficam sempre tentando adivinhar o que pensam os chefes para não entrarem em contradição com eles. Não falam, não dão entrevistas porque nada têm a dizer, não pesquisam, são meros repetidores de cases, muitas vezes forjados por suas assessorias para conquistar prêmios de entidades da área, que chegam ao cúmulo de premiarem seus próprios diretores (alguém acredita na independência destas premiações?).
Finalmente, pode ser que, no fundo, as organizações tenham muita coisa para esconder e, por isso, só falam sobre aquilo que lhes interessa, preocupadas em criar "boa imagem". Seus executivos de comunicação e os seus profissionais são adestrados para a tarefa enjoada da hipocrisia empresarial e, por isso, vivem por aí desfilando aquele discurso repetitivo de "responsabilidade social" (não sabem ao menos o conceito) ou aderem à praga do "marketing verde", uma postura transgênica que contamina a maioria das organizações brasileiras.
As organizações não recebem os colegas da Academia porque ainda não se inseriram nos novos tempos, porque têm preferido recrutar pessoas que não pensam ou não têm liberdade para pensar. Querem subordinados e não profissionais autênticos , acreditam piamente que comunicar é risco, não oportunidade. Quantas vezes não ouvimos gerentes de comunicação interna defendendo a não participação dos funcionários porque "essa gente só quer mesmo detonar a organização"? Quantas vezes ouvimos executivos e profissionais de comunicação demonizando a "Rádio Peão", segundo eles um instrumento do sindicato que quer destruir a empresa por dentro? Quantas vezes vimos assessores de imprensa fugindo dos jornalistas porque "esses caras sempre vêem chifre em cabeça de cavalo"?
Desconfie bastante quando ouvir executivos de comunicação em congressos ou eventos em geral repetindo que na "minha empresa a comunicação é estratégica". Não é verdade quase sempre, é apenas recurso de retórica, "pau mandado", coisa que muitos comunicadores de terno e gravata e topete levantado (mas de dignidade no fundo do poço) fazem com freqüência para agradar chefias e empresários, embora nem eles mesmos acreditem nisso. Sabem que a comunicação nas suas organizações é apenas um apêndice, não participa do processo de tomada de decisões e que, como executivos de comunicação, estão ali mais para dizer amém do que para expressar com autoridade suas opiniões.
Esse negócio de comunicação estratégica é papo furado, como a gente viu na demissão truculenta de mais de 4.000 funcionários pela Embraer, sem qualquer aviso, sem qualquer diálogo, tripudiando em cima dos "colaboradores, tidos como o maior patrimônio da empresa". Que comunicação integrada ou estratégica é essa? Ou a gente acredita que a área de comunicação não foi consultada sobre o que fazer no caso da demissão da Embraer ou (nem pensar nessa possibilidade) ela até recomendou que a empresa desse mesmo um chute no traseiro dos funcionários. O que você acha? Eu acho que a empresa nem cogitou de ouvir a área de comunicação porque, na prática, a comunicação só é estratégica no papo, para inglês ver, como a gente diz.
A interação entre as organizações e a Academia é vital para ambos os lados. A universidade (os estudantes e pesquisadores de comunicação em especial) precisa deste contato para adequar teorias à realidade, para qualificar suas reflexões e projetos de investigação. O mercado profissional pode aprender com eles e inclusive contribuir para a solução conjunta de problemas que afetam a comunicação das organizações. Em particular, as empresas têm muito a aprender, podem ver refinados os conceitos de que se utiliza (sustentabilidade, responsabilidade social, governança etc) e assimilar novas metodologias para avaliação (quantitativa e qualitativa) de ações e estratégias de comunicação.
Os estudantes e pesquisadores têm a ganhar (e muito) com as organizações, particularmente com aquelas que buscam alternativas criativas e têm profissionais capacitados (há exceções felizmente na mediocridade das estruturas de comunicação da maioria das empresas brasileiras), acreditam na pesquisa, no diálogo, no profissionalismo e na transparência.
É louvável a iniciativa da Aberje, a entidade mais representativa da área de Comunicação Empresarial, em propor esta interação, em aproximar o mercado profissional e a universidade .
É fundamental somar as competências disponíveis, estabelecer parcerias e dotar as organizações de maior espírito crítico, que é moeda em falta na comunicação das organizações por conta seja do autoritarismo das culturas organizacionais, seja pelo obscurantismo de executivos inseguros e mal preparados para o diálogo.
Se você, estudante, pesquisador ou mesmo profissional do mercado, ao procurar informações em uma empresa, for descartado pela sua estrutura de comunicação, com aquelas desculpas esfarrapadas descritas no início deste artigo, reaja, demonstre sua indignação, escreva, publique em seus blogs, conte para seus amigos em grupos de discussão ou na universidade. Não poupe as organizações que rejeitam o diálogo, cite publicamente o seu nome e o de seus executivos e profissionais pela falta de companheirismo e solidariedade.
Há um ditado bastante apropriado para essas situações: uma empresa, quando não se comunica, pode estar incluída em um dos seguintes casos: ou tem pouco para falar ou tem muito para esconder.
Em tempo 1: Alguns executivos de comunicação são mais realistas do que o rei, e pela sua insegurança e incompetência estão sempre com medo de perder o emprego (alguns já deviam estar na rua há muito tempo, mas há empresários que contratam puxa-sacos e não profissionais e eles fazem bem esse papel) e não querem contribuir com ninguém, muito menos estudantes e pesquisadores. São mesquinhos, egoístas, pobres de espírito. Trate-os com o desdém que eles merecem. Há sempre alternativas melhores para os seus trabalhos e projetos de pesquisa;
Em tempo 2: Desconfie de empresas e assessorias/agências de comunicação que estão sempre tentando vender os cases de seus clientes (sabia que muitas pagam para apresentá-los em congressos?). Não seja conivente com elas porque, na prática, não querem facilitar o trabalho de ninguém, querem apenas agradar os seus patrões, clientes. Experimente procurá-las para discutir aquilo que interessa a você e verá como agem diferente. São falsas, interesseiras, "duas caras" como se costuma dizer.
Em tempo 3: Jamais encare como natural estas recusas. Se as empresas e suas assessorias passam o dia todo atrás da mídia, do consumidor, tentando vender os seus projetos, suas realizações porque não têm a mesma postura quando a gente as procura? Por fora bela viola, por dentro pão bolorento, não é isso?
* Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor da UMESP e da USP, diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa. Editor de 4 sites temáticos e de 4 revistas digitais de comunicação.
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